O jeito de falar descontraído e bem humorado nem de longe demonstram as dificuldades pelas quais passou. Há 20 anos, Cazu Barroz descobria ser portador do vírus HIV. Na época, os médicos lhe deram poucos meses de vida, o que era muito comum para soropositivos nos meados dos anos 80.
Vítima de uma grave doença, Cazu contrariou todos os prognósticos e construiu nas duas décadas seguintes uma história de muita luta, perseverança e inspiração. Com a empolgação característica da adolescência, o ator, escritor e atualmente coordenador nacional do projeto Ouça aprenda Viva, da Federação de Bandeirantes do Brasil, planeja os próximos capítulos de um livro que ainda tem muitas páginas a serem escritas.
Os detalhes dessa história você confere na entrevista abaixo.
Entrevistador: Assim que você descobriu ser soropositivo os médicos lhe deram 6 meses de vida. De lá pra cá já passaram mais de 20 anos. Como foi vencer o início da doença?
Cazu: Analisando a época em que tudo aconteceu, eu venci pela questão do tempo. Jamais esperava chegar a viver tanto tempo com HIV. Os médicos davam um prazo de vida muito curto. Foi muito difícil. A chegada aos seis meses, data que os médicos me deram de vida, foi terrível. Senti uma angústia enorme e todos os dias achava que aquele poderia ser o último. O acesso ao tratamento e aos medicamentos era muito mais difícil do que hoje. Eu andava com um cemitério na cabeça.
Entrevistador: O que você fazia nessa época?
Cazu: Eu trabalhava como voluntário num grupo que cuidava de pessoas com HIV. Recorrentemente perdíamos alguém e eu pensava que seria o próximo. Nessa época, descobri a importância de acreditar em Deus.
Entrevistador: Você é religioso?
Cazu: Religioso como a gente conhece não. Não sou católico, evangélico, espírita etc. Minha religião é Deus. Acredito que muitas coisas se resolveram graças a fé que tenho nele.
Entrevistador: Como é o dia a dia de um soropositivo? É possível ter uma vida plena e normal ou os desafios ainda são grandes?
Cazu: Normal é um termo delicado. Acho que, a partir do momento que alguém descobre que tem uma doença grave, dificilmente a vida dele será a mesma. E isso serve tanto para quem tem o HIV, quanto para a diabetes, câncer etc. Especificamente para o soropositivo, o que acontece uma necessidade diária de ingerir muitos medicamentos. E estes trazem efeitos colaterais também. Além disso, o acesso ao tratamento, que deveria ser mais fácil, está cada vez mais difícil. Está muito difícil. Não só medicamentos, mas consultas e internações. Dependemos de um sistema que está defasado (SUS). Não temos o melhor programa de aids do mundo, como afirma o governo, mas sim o único que distribui o coquetel anti-Aids e atende a pacientes soropositivos independente de sua condição social. Assim, você nunca sabe como será o futuro. É tudo muito incerto. Se o programa funcionasse da forma como é no papel, seria uma maravilha. Mas, infelizmente, a realidade é outra por que falta vontade política de nossos governantes para atender as necessidades básicas e reais das pessoas vivendo com aids no Brasil.
Entrevistador: Quais são as grandes dificuldades hoje?
Cazu: O grande problema é a interrupção do tratamento. Junte a isso o custo elevado e a corrupção na saúde... A pessoa que se descobre portador do HIV hoje, leva uns seis meses para conseguir uma consulta e, em média, um ano para começar a tomar os medicamentos. Fora os exames de carga viral, de defesa do corpo etc. Essa demora, tanto para iniciar o tratamento, quanto para pegar exames gera uma angústia muito grande. Para piorar, muitas vezes quando sobrevivemos, temos que lutar na justiça para conseguir esses medicamentos e uma internação.
Entrevistador: O preconceito é hoje o maior problema da aids?
Cazu: Em relação há 20 anos, houve uma melhora sim. Antigamente era quase inconcebível ter uma relação amorosa entre casais sorodiscordantes. E hoje conheço alguns exemplos de casais com esse perfil que vivem plenamente. O preconceito dentro da família também diminuiu bastante. Porém, o que não diminuiu (ou que ainda continua) é o preconceito dentro das escolas e dentro das empresas. Tanto por parte dos empresários, que não dão emprego à portadores, quanto à diretores de escolas que evitam alunos que tenham HIV. Outro fator sãos pais de alunos saudáveis que, quando descobrem que há um colega com HIV na turma de seus filhos, ameaçam retirar a criança do colégio.
Entrevistador: Você já foi administrador de empresas, ator e agora mostra seu talento como escritor. Como surgiu a ideia de publicar um livro?
Cazu: O livro surgiu em 1994, quando comecei a escrever sobre o tema. No início era mais uma conversa comigo mesmo. Eu escrevia sobre minhas impressões, o que sentia, pois, antigamente, era impossível falar abertamente sobre HIV. Assim, para não ficar tão angustiado, comecei a conversar comigo mesmo e escrever minhas angústias e a desmistificar o assunto. O livro serviu para responder a todas as minhas perguntas e, ainda, ajudar as pessoas a entenderem mais sobre a doença. Agora estou na expectativa de lançar um novo livro, chamado “Tenho mais tempo de aids do que de vida”. Ele é um puxão de orelha para a sociedade que pensa que a doença está superada. Ao mesmo tempo em que mostro ser possível viver com HIV, aproveito para falar da luta diária dos soropositivos.
Entrevistador: Quais são os planos para o futuro?
Cazu: Ainda não desisti de ser ator consagrado. Gostaria de voltar a fazer cinema e estou correndo atrás de algumas produtoras. Já comecei alguns testes em uma emissora de TV e tudo. Mas o trabalho que me dá mais satisfação é o de prevenção que faço junto aos jovens, na Federação de Bandeirantes do Brasil. Independente do que o futuro me reserve, pretendo continuar tocando o projeto “Ouça, Aprenda, Viva, campanha mundial de prevenção as DST/Aids e alertar adolescentes e jovens aos riscos do HIV.
Entrevistador: Para você, qual é a importância da campanha Cabeleireiros Contra Aids?
Cazu: Primeiramente, a iniciativa contribui muito para a sociedade entender que não precisamos viver com o preconceito. Outra coisa importante é desmistificar esse estigma gay da doença. Hoje, ela está se tornando muito mais feminina. E como as mulheres “vivem” em salões de beleza, e o cabeleireiro “funciona” como uma espécie de terapeuta, conselheiro, elas literalmente aderem. Quando uma pessoa influente como o profissional de salão de beleza conversa sobre usar camisinha, prevenção etc. certamente isso gera um efeito muito grande na classe feminina. E até na masculina, pois hoje há muitos homens nos salões de beleza.
Entrevistador: Deixe um recado para nossos leitores e participantes da campanha.
Cazu: Continuem se prevenindo, pois, apesar dos avanços da medicina, a aids ainda não tem cura e usar camisinha é uma prova de amor à sua vida e a de quem você ama. Usem sempre inclusive no sexo oral.
*Reportagem retirada do site: http://www.cabeleireiroscontraaids.com.br/campanhas_inovadoras.aspx
Nenhum comentário:
Postar um comentário